Otium in fluxum
Histórias de uma cabeça vazia.
7 de novembro de 2016
A beleza do casual
Banho, espuma pelo corpo, o sol passando pela janela baixa e seus olhos esverdeados encarando de perto os meus.
16 de julho de 2015
A espera
Os olhos dele que antes observavam a distância se encontram
fechados
As mãos que balançavam soltas no caminhar estão ocupadas
tateando na penumbra
A boca que sorria ao se aproximar está semiaberta e vermelha
de fricção
A pele que dormia por baixo das roupas se encontra nua e
escorregadia de suor
Mas a garota que tanto esperava por esse dia ainda espera.
19 de maio de 2015
Abismo sereno
Tateando entre inúmeros beijos, mordidas e hálitos quentes
Vagando entre abraços, suspiros e sussurros incompreensíveis
Meus olhos abertos, curiosos, só conseguem insípidamente expressar
Que me perco em amores menores na busca do seu toque já
desconhecido
Almejo um dia encontrar a porção de pele que me foi arrancada
E mesmo a beira do abismo, onde toda a esperança parece ter
me escapado entre os dedos
Minha alma transborda serenidade, meu morno sangue
continua fluindo
(19052218)
24 de março de 2015
Dormência
Era quase enlouquecedor. O barulho dos carros apressados na
rua, o grito exagerado das crianças brincando, o vizinho do andar de cima
arrastando os móveis. Sempre as mesmas coisas, os mesmos lugares, pessoas,
sons, cores. Tudo sempre com aquele gosto amargo. Ela sentia os músculos
contraírem e enfiava as unhas na coxa na esperança de que aquela sensação
passasse logo. O maxilar ficava dormente com a pressão da mordida que dava sem
perceber. Escorada na sacada do apartamento Bianca acendeu um cigarro e
cantarolou aquela música do Led que acalmava seus nervos. O fedor da fumaça
misturado com o de terra molhada embalavam um vai e vem em seus quadris, como
uma mãe embalando o próprio filho. Sua cabeça balançava levemente de um lado
para o outro e com os olhos fechados ela sentiu por leves segundos o alívio que
o nada traz. Era pouco, mas o suficiente para aguentar o próximo dia.
30 de junho de 2014
Desaparecidos
No início as mídias comunicavam
os desaparecimentos sem muito interesse apenas colocavam uma foto do
desaparecido, a data e o local. As pessoas se assustavam, mas com a correria do
dia-a-dia se esqueciam. Uma semana depois o número de desaparecidos dobravam e
as teorias eram muitas. Um golpe de estado, uma queima de arquivo, abduções
alienígenas e os mais religiosos acreditavam que fosse o arrebatamento. Eu
mesma acreditava em tudo que fizesse algum sentido. As pessoas por todo país se
tornavam histéricas e perigosas. As escolas fecharam as portas, assim como
muitas empresas. As famílias se trancavam em casa com medo de perder os entes
queridos. Os amigos ficavam em contato constante tanto por telefone quanto pela
internet.
Quando o país finalmente declarou
estado de sítio, já era tarde. Mais da metade da população estava desaparecida
e o pior, não havia rastros. As pessoas desapareciam da noite para o dia. Mães,
avós, pais, filhos. Vidas bruscamente interrompidas. Um vizinho chegou a
relatar aos prantos que estava de mãos dadas com suas esposa quando sentiu um
vazio em sua mão e virando-se confirmou para sua mente o que
seu coração já sabia. Desaparecida. Ninguém conseguia consolar ninguém. Minha
mãe passava o dia calada, meu marido ficava juntando todas as notícias que
encontrava sobre os desaparecimentos e eu quando não estava de frente a TV
colocava algumas músicas para acalmar os ânimos. Era como se estivéssemos todos
em estado terminal sempre grudados uns nos outros. Brigavamos muito pouco e
estávamos sempre demonstrando nosso afeto. Todas as noites, como um ritual, nos
abraçávamos e minha mãe fazia uma oração. Deitávamos na mesma cama e ficávamos
conversando sobre memórias antigas esperando o sono chegar. Até que um dia eu
acordei sozinha.
9 de maio de 2014
A fuga
Corria
sentindo o ar frio da noite cortar sua pele. Corria levando consigo folhas
secas e uma árdua angústia. Corria o mais rápido que suas pernas finas e
cansadas conseguiam. Seus braços, coxas e barriga nus tinham arranhões feitos
pelos galhos apressados dos arbustos. Sua respiração ofegante fazia seus
pulmões arderem e sua visão ficar turva. Sentia seu coração falhar só de pensar
em olhar para trás. A lua era nova e mal conseguia iluminar o chão a sua
frente, apenas feixes de luz penetravam as copas dos robustos carvalhos e compridas
faias. Seus pés doloridos tropeçavam em tocos e raízes dobrando e dilacerando
seus dedos. Sequer pensava em parar mas teve que faze-lo ao dar de cara com um
pesado galho baixo de carvalho que a fez cair de costas. As batidas acereladas
de seu coração agora eram tudo que podia ouvir e sentir. Seus olhos, mesmo
temerosos, se fecharam e não voltaram a abrir.
Doce mas ácido
Para ela o silêncio
tornava o ar pesado e gelava suas mãos. Para ele o silêncio comprimia seus
pulmões e corroía suas entranhas. E o que aconteceu depois foi um beijo
que nem mesmo os dois vão se lembrar com detalhes.
Dentro daquele mundo
que eles criaram o tempo passava lentamente. Beijos, abraços, olhares, promessas e, não faltariam, os erros.
Quanto mais o tempo se
passava, mais ele queria estar com ela. Quanto mais os dias se passavam,
mais amedrontada ela ficava. Mas o que restou
daquele mundo ermo os dois se lembrarão pro resto de suas vidas, pois o que
sentiam era real. Aliás, a única coisa real que ela sentiu.
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