30 de junho de 2014

Desaparecidos

No início as mídias comunicavam os desaparecimentos sem muito interesse apenas colocavam uma foto do desaparecido, a data e o local. As pessoas se assustavam, mas com a correria do dia-a-dia se esqueciam. Uma semana depois o número de desaparecidos dobravam e as teorias eram muitas. Um golpe de estado, uma queima de arquivo, abduções alienígenas e os mais religiosos acreditavam que fosse o arrebatamento. Eu mesma acreditava em tudo que fizesse algum sentido. As pessoas por todo país se tornavam histéricas e perigosas. As escolas fecharam as portas, assim como muitas empresas. As famílias se trancavam em casa com medo de perder os entes queridos. Os amigos ficavam em contato constante tanto por telefone quanto pela internet.

Quando o país finalmente declarou estado de sítio, já era tarde. Mais da metade da população estava desaparecida e o pior, não havia rastros. As pessoas desapareciam da noite para o dia. Mães, avós, pais, filhos. Vidas bruscamente interrompidas. Um vizinho chegou a relatar aos prantos que estava de mãos dadas com suas esposa quando sentiu um vazio em sua mão e virando-se confirmou para sua mente  o que seu coração já sabia. Desaparecida. Ninguém conseguia consolar ninguém. Minha mãe passava o dia calada, meu marido ficava juntando todas as notícias que encontrava sobre os desaparecimentos e eu quando não estava de frente a TV colocava algumas músicas para acalmar os ânimos. Era como se estivéssemos todos em estado terminal sempre grudados uns nos outros. Brigavamos muito pouco e estávamos sempre demonstrando nosso afeto. Todas as noites, como um ritual, nos abraçávamos e minha mãe fazia uma oração. Deitávamos na mesma cama e ficávamos conversando sobre memórias antigas esperando o sono chegar. Até que um dia eu acordei sozinha.

9 de maio de 2014

A fuga

Corria sentindo o ar frio da noite cortar sua pele. Corria levando consigo folhas secas e uma árdua angústia. Corria o mais rápido que suas pernas finas e cansadas conseguiam. Seus braços, coxas e barriga nus tinham arranhões feitos pelos galhos apressados dos arbustos. Sua respiração ofegante fazia seus pulmões arderem e sua visão ficar turva. Sentia seu coração falhar só de pensar em olhar para trás. A lua era nova e mal conseguia iluminar o chão a sua frente, apenas feixes de luz penetravam as copas dos robustos carvalhos e compridas faias. Seus pés doloridos tropeçavam em tocos e raízes dobrando e dilacerando seus dedos. Sequer pensava em parar mas teve que faze-lo ao dar de cara com um pesado galho baixo de carvalho que a fez cair de costas. As batidas acereladas de seu coração agora eram tudo que podia ouvir e sentir. Seus olhos, mesmo temerosos, se fecharam e não voltaram a abrir.

Doce mas ácido

Para ela o silêncio tornava o ar pesado e gelava suas mãos. Para ele o silêncio comprimia seus pulmões e corroía suas entranhas. E o que aconteceu depois foi um beijo que nem mesmo os dois vão se lembrar com detalhes.
Dentro daquele mundo que eles criaram o tempo passava lentamente. Beijos, abraços, olhares, promessas e, não faltariam, os erros.


Quanto mais o tempo se passava, mais ele queria estar com ela. Quanto mais os dias se passavam, mais amedrontada ela ficava. Mas o que restou daquele mundo ermo os dois se lembrarão pro resto de suas vidas, pois o que sentiam era real. Aliás, a única coisa real que ela sentiu.